sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Flores de molho em água benta

Numa conversa de fim-de-tarde com a dona Elvira dos Santos, acabei por descobrir que ela se sentia perseguida por orquídeas. Ao princípio, pareceu-me bizarro. Mas depois acabei por perceber a razão pela qual ela tinha abandonado as suas flores numa pia baptismal. Enquanto a dona Elvira foi atender um telefonema, eu senti uma presença invulgar na sua sala. As orquídeas estavam atrás de mim e, quando eu me voltava para trás, elas mexiam. Parece-me que elas se punham a espreitar quando eu não estava a ver. Olhei intensamente para as quatro plantas. Elas estavam paradas. Voltei-me novamente e ouvi fungar atrás de mim. Entretanto, chegou a dona Elvira. "Ela também fungam?" - perguntei-lhe. Amarela como um limão, a senhora cambaleou, sentou-se num sofá com a mão a tremer e olhou para o ar. Depois suspirou: "Sim." Ela contou que, de noite, o gira-discos começava a tocar canções do José Cid e a ventoinha do tecto dançava. As torneiras soluçavam. Até o gato, que era velho e tinha uma carecada, imitava as flores e bufava-lhes de vez em quando. "Por que razão não deita fora as plantas?", inquiri. Arregalou os olhos, pôs-me as mãos nos joelhos: "Não diga isso!", murmurou e olhou para elas com medo.
Dois dias depois, ouvi o senhor do quiosque comentar que alguém tinha deixado na igreja flores de molho em água benta, com a etiqueta comercial original onde se podia ler:

"Orquídeas Phalaenopsis Poltergeist. Encherão a sua casa de vida. Olhe por elas e elas olharão para si. Regar semanalmente."

1 comentário: