quarta-feira, 11 de março de 2015

espalhados pela atmosfera

Passei por um vendedor de nuvens engarrafadas que me queria impingir uma nuvem.
Boa tarde! Já conhece as nossas variedades frutadas de Cumulonimbus Exoticus, uma colheita argentina das tempestades de 2009?
- Não, muito obrigada, não estou interessada. Não gosto de nuvens.
- Mas há-de gostar das nossas, que são fofas e estaladiças, aromatizadas com ventos de framboesa e com um brilho de chuva celestial.
- Não gosto de tomar nuvens, sejam quais forem.
- Mas todos as pessoas nascem a gostar de nuvens! São como o sol. Quando nasce, nasce para todos!
- Já lhe disse que não gosto!
- Então já provou todas?
- Não era possível.
- Então como sabe que não gosta das nossas?
- Por generalização.
- A generalização é falível, e é logicamente falacioso inferir o universal a partir do partic...
- Deixe-me em paz com as lógica das nuvens, ó... ó nefelibata pomposo, charlatão autodidacta!
Eu reparei que, numa daquelas garrafas, qualquer coisa começou a relampejar. Um diabo em mim exclamou “Agita, agita!”, mas o santo Agostinho, que normalmente equilibra estes maus instintos, murmurou: “Nada faças que possa causar prejuízo, nem que te divirta muito”. No entanto, o diabo continuava: “Agita, agita, agita!”, e eu peguei na garrafa, para grande espanto do vendedor filosófico, e pus-me a abaná-la espalhafatosamente. O resultado era previsível: soltou-se a rolha e um raio subiu aos céus, perturbando a paz desta Primavera precoce com uma tempestade brutal.
- Já viu o que fez? - perguntou o vendedor, molhado como um pinto.
- Já vi, sim senhor. O senhor não gosta de chuva celestial?
- Gosto de a tomar, mas de...
- E de nuvens estaladiças?
- É diferente...
- E de ventos de framboesa?
- Gosto! Gosto de os provar! Mas não gosto deles espalhados pela atmosfera!
- Isso quer dizer que, para si, gosta de nuvens, mas cá fora é tudo sol! Você é um hipócrita e um egoísta.
- Então porquê? - interrogou o vendedor, furioso.
- Porque quando as nuvens nascem, nascem para todos!