quarta-feira, 4 de novembro de 2015

cabem num diospiro

Ontem vi, na minha rua, uma mulher a fumar no passeio. Olhava muito atentamente para o chão. Aproximei-me e reparei que ela contemplava um diospiro esborrachado.
"Minha senhora..." chamei, mas ela não respondeu.
Olhava para o diospiro.
"Desculpe" - insisti.
Nada. Passei a mão pela frente dos olhos dela, e ela voltou o olhar para mim, ameaçadora:
- Que quer?!
- Bem, desculpe. Pensei que... pensei que estivesse mal...
- Mal, eu? Por que havia de estar mal?
Foi então que vi qualquer coisa a sair do diospiro. Um polegar. Dois polegares, três... contei ao todo cinco e perguntei:
- Quantas mãos cabem num diospiro tão pequeno?
- Não são mãos! Você não vê bem? São gostos!
Um cursor em forma de setinha esvoaçava e zumbia num pedaço nojento de polpa. Subitamente, começaram a cair centenas de diospiros duma nuvem gigantesca. A mulher olhou para mim, radiante:
- Partilharam o meu diospiro! E você? Não vai fazer gosto?
- Eu?! Acha mesmo que vou pôr o meu dedo naquela porcaria?
- Há quem os coma! - exclamou ela.
- Quase toda a gente. Mas eu, francamente, acho de mau gosto comer essa nojice doce e mole que se mistura com dejectos de cão na via pública.
- Só se mistura se você quiser, mas...
- Sabe... - interrompi - o que é que me chateia mais? Sabe?! É que o diabo dessa nuvem incontinente vem despejar os seus diospiros mesmo à porta de minha casa. Não posso abrir a porta. Vem-me logo esse cheiro a... a...
- Aos chinelos do Mark Zuckerberg?
- Eu ia dizer a diospiros.