No dia em que fui ao hospital visitar o
tio Jorge encontrei, logo à entrada do edifício, um elefante a
tocar corneta e outro a atirar areia para os olhos das pessoas que
entravam. As escadas estavam escorregadias, cheias de verniz acabado
de aplicar. Logo à entrada, ouvi aplausos vindos de um pequeno grupo
que se juntara à volta de uma mosca. Reparei que se tratava da
apresentação de um livro. No cartaz, podia ler-se: «O corpo do
abismo: a (pre)ocupação do espaço vazio». A mosca zumbia
eloquentemente na frente de um microfone. Eu não percebia os
zumbidos, mas todos os admiravam, acenando a cabeça de assentimento
reverente, e colocando a mão no queixo, com um ar muito intelectual.
Logo a seguir, decidi aproximar-me de uma fila de doentes. Entendi
que se tratava da fila de uma cantina insólita, onde toda a comida
era de papel. Eu até podia ler as letras pequenas no papel
amachucado que eles tomavam por bananas e bifes. Foi então que
decidi sair dali, para o terceiro piso onde estava o tio Jorge. Só
que, ao entrar, reparei que estava transformado num museu de arte
contemporânea, sem janelas e com quadros em branco cheios de títulos
estranhos: «Relevos da Perplexidade», «Convergências de Sentido»,
etc. Havia apenas uma escultura, que era constituída por uma porção
de excremento de bovino dentro de um cubo de vidro. O título era
«Deconstruction of Deconstructions or the Beauty of Bullshit».
Genial. Uma força intoxicante apoderou-se de mim e eu fui
imediatamente, a correr, ter com o tio Jorge. Quando ele me viu, a
primeira coisa que disse foi:
- Há uma epidemia no hospital.
- De quê? - perguntei.
- Moscas. Há moscas em toda a
parte.
- Mas isso é por causa daquela
escultura... – disse eu.
- Não! São moscas que falam e
contaminam tudo! Moscas zumbidoras que reclamam autoridade sobre
tudo o que temos na cabeça, incluindo os nossos cabelos. Por que tu
julgas que estou careca? E até o cérebro e o nariz...
Eu achei que talvez fosse sensato levar
o tio Jorge ao serviço de psiquiatria, e fomos os dois. Mas quando
chegámos, percebemos que não havia vivalma no serviço. Apenas
encontrava, por todo o lado, latas de insecticida. Muni-me delas,
despedi-me do tio Jorge e espalhei mata-moscas por todo o hospital
até ele cheirar mais a insecticida do que a esturro. As moscas
cairam todas ao chão, o zumbido desapareceu e, como que por magia,
apareceram janelas no lugar dos quadros em branco. À saída do
hospital, vi um médico a dizer para o outro: «A epidemia está
controlada, mas alguns dos danos cerebrais são irreversíveis. A
Síndrome de Arrogância Letrada não tem cura, mas a Intelectopatia
Pomposa fica de tal modo controlada, que eles poderão, em breve,
comer comida normal.»