quinta-feira, 19 de julho de 2012

que mudem de clave

Foi desde que o meu antigo professor de música, Carlos Faisão, foi eleito presidente da câmara, que se instalou a confusão na gestão das propriedades das zonas mais rurais do Município. Fez-se tudo para obedecer ao decreto de que não podiam existir quintas paralelas. Em consequência disso, houve quem fraccionasse as suas quintas. Um velho amigo do presidente, o vereador Avelino Silva, tinha sido professor de geometria e matemática aplicada e argumentava que as quintas estritamente paralelas se encontravam no infinito virtual, opticamente sugerido no ponto de fuga. Quando ouviu a palavra “fuga”, o professor Carlos Faisão ficou estarrecido. “Nem pensar!”, e continuou “Parece-lhe mesmo que há verbas para fiscalizar a obediência às regras do contraponto?” Com efeito, não havia. Foram criadas multas para as quintas diminutas, o que fez muita gente vender as suas, e a aglomeração destas aumentou o número de quintas aumentadas, o que não resolveu a dissonância. Foram tomadas as providências mínimas para que o assunto se resolvesse em breve. Mas o professor Faisão continuou a levantar obstáculos, declarando que a resolução devia ser numa mínima, e não numa breve. Logo, teria de ser quatro vezes mais rápida. O vereador virou-se para o presidente:
- Um quarto é suficiente para a resolução.
- Diga-me lá uma coisa - começou o presidente - Acha mesmo que temos uma orquestra de câmara? Não quero um quarto. Preciso, na verdade, de um auditório, e o da Câmara serve, desde que se retirem os ninhos de pombas. Consta que trazem pulgas.
- Espere... se um quarto não é suficiente, digamos, algo de semelhante poderá sê-lo. Dois oitavos.
- Eu ouvi bem? - inquiriu o presidente ajeitando a corneta no ouvido. - Duas oitavas? Tem amplitude mais do que suficiente. Mas para mim uma quinta perfeita chegava.
- Não temos quintas perfeitas desde que as quintas paralelas foram banidas... e há outro problema.
- Qual é?
- Uma praga de centopeias, desde que as semifusas foram legalizadas.
- Olhe, vou fazer uma pausa. Resolva isso rapidamente e tome esta batuta...
- Perdão, mas isto é... uma batata.
- Quer discutir fonética ou resolver uma crise?
- Resolver uma crise. Tem razão, tem razão. Uma outra coisa: tem havido algum alvoroço nas estações de metro da linha F desde que se introduziram linhas suplementares.
- Ora, que mudem de clave e já não precisam dessas linhas.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

parquímetros de uma rua próxima

Na medida do meu ócio, tenho seguido a actividade relacionada com parquímetros de uma rua próxima daqui. De vez em quando vejo o senhor Aquiles: um velho mendigo, famoso por enfiar as mãos nas caixas de correio e gritar por socorro. Nada nem ninguém quer comer as mãos do senhor Aquiles, mas ele continua a fazer aquela cena. Como os tempos estão difíceis, tenho visto este homem a meter a mão no dispensador de trocos dos parquímetros. Uma vez vi-o a berrar ao tirar a mão do parquímetro com uma tartaruga pendurada no dedo. As tartarugas mordem, toda a gente sabe. Mas nem toda a gente sabe que há tartarugas nos parquímetros desta rua. Então eu quis perceber melhor estas ocorrências, e soube que tinham origem nas "corridas paradas" da rua Álvares Cabral. Aparentemente, uma sociedade chamada "O Clube da Lesma", que havia começado por apostar em corridas de lesmas e caracóis, havia criado o seguinte passatempo: cada membro tinha uma tartaruga identificada por um número, e colocava a tartaruga no sítio dos trocos do parquímetro. No final, pesavam as tartarugas. Quanto mais pesadas, mais moedas elas tinham comido. Esperava-se que o vencedor ganhasse quatrocentos euros da aposta mais uns dezasseis euros que a tartaruga teria comido. Para se saber de antemão qual era o valor exacto, fez-se uma radiografia à tartaruga e o resultado foi surpreendente: o pequeno réptil não tinha comido moedas, mas anéis de curso e falanges. Eu gostava de saber quais foram os licenciados em Farmácia que ficaram sem os dedos anelares. Eu sinceramente pensava que as tartarugas domésticas se alimentavam de pequenos camarões secos.