sábado, 9 de agosto de 2014

inventei a erebotropia!

Gerou-se, em Julho deste ano, a suspeita de que alguém ia regar com água quente as teias de aranha do velho edifício esquecido da Faculdade de Farmácia. Da maneira como se acumulava condensação nos vidros das janelas, parecia que só podia ser isso. Mas eu da minha casa tenho uma vista privilegiada sobre o laboratório, e garanto-vos: não é das teias de aranha.
Todas as segundas-feiras à noite aparecia um senhor engravatado, pálido e escanzelado, a tentar moer qualquer coisa com um almofariz. Eu usei uns binóculos soviéticos e descobri que ele estava a moer medusas, que trazia num frasco com água. "Que nojo", pensei, e fui ter com ele para perceber aquele desatino. A porta principal do edifício estava escancarada e havia girassóis a crescer e a mexer por todo o lado. Quando cheguei ao laboratório e vi o senhor engravatado de costas, a moer medusas, improvisei:
- Boa noite. Má hora para moer medusas? Ou não?
O homem voltou-se, olhando para os cantos da sala:
- Que é que você quer?... Medusa? Onde está ela? Não vejo, não.
Percebi que o senhor era brasileiro.
- Alforrecas. Isso que o senhor está a moer. Medusas...
- Isso aí?! Isso é água viva!
- E para que é que o senhor quer moer água viva?
- Meu nome é Renato Lineu. Eu fui professor de Botânica, não de Zoologia. Mas meus girassóis, eles têm sede...
- E o senhor rega-os com água viva?
- Depois de moer, ela continua viva. Depois ponho um bocado disso aí.
Mostrou-me um frasco de café solúvel.
- Para quê?
- A água viva moída é para eles ficarem mais do que vivos: eles se mexem sempre.
Ele prosseguiu, mostrando o café
- E não precisam de sol, não. Isso aí, o café, é para eles estarem sempre despertos. Sim! Eu inventei a erebotropia! Eles se movem para as sombras, e não só para o sol.
- É por isso que se estão sempre a mexer?
- Isso mesmo. De noite não se decidem que escuridão devem seguir. E o café ajuda.