quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

É indispensável para um bom esparguete


O meu amigo, Tiago Couto, manifestou um certo grau de preocupação quando me confidenciou que encontrou um volume da Psicopatologia da Vida Quotidiana dentro do seu frigorífico. Ele disse que não se lembrava de o ter posto lá, nem tão-pouco de possuir o dito livro. Eu, como é costume, aconselhei-o prudentemente. Disse-lhe que o fosse devolver à mercearia, julgando eu que ele estava a confundir as coisas e que, na realidade, se tratava de um frasco de polpa de tomate, e não de um livro de Freud. Quando o Tiago me disse que na mercearia gozaram com ele, eu decidi gastar algum dinheiro para dar uma lição ao dono da mercearia, que era um homem mal-encarado e com a mania que vendia as melhores laranjas do mundo. Comprei quatro volumes da Interpretação dos Sonhos e, enquanto o homem da mercearia não estava a ver, ajeitei-os entre os frascos de polpa de tomate. Aqui há uns dias atrás, o Tiago veio a minha casa, esbaforido, explicar-me que começou a sonhar que matava o dono da mercearia, e que se formava uma poça de sangue comprida que ia até à rua. Ainda por cima, as pessoas tropeçavam nela. Eu convenci-o de que não eram pessoas, mas bonecos, e que não era sangue, mas polpa de tomate. No entanto, isso não pareceu apaziguá-lo. Decidi ir com ele até à mercearia e encontrámos o homem, de rabo para o ar, a remexer no meio dos pacotes de esparguete. Ele dizia que tinha caído, atrás da prateleira, o Dicionário dos Símbolos. Eu disse-lhe que não devia ser isso que ele procurava. “Mas o que raio é que julga que eu procuro, então?”, interrogou o homem. “O senhor procura, na realidade, um frasco de polpa de tomate.” Peguei num dos frascos que estavam na prateleira e entreguei-o. “É indispensável para um bom esparguete”, assegurei. O Tiago, notoriamente amedrontado, murmurou ao meu ouvido: “Mas ele procura um livro!”, ao que eu respondi: “Deixa estar. Quando o encontrar já vai estar fora de prazo."