quarta-feira, 25 de setembro de 2013

desta... árvore?

O Tiago Couto contou-me que, numa sessão de psicoterapia, confessou ao terapeuta ter visto uma luz a sair da sua sanita. «Preferia que não tomasse nota disto», advertiu o meu amigo ao perceber que o terapeuta tencionava anotar a confissão embaraçosa para depois a enfiar no seu ficheiro. No momento da confissão, a energia eléctrica terá ido abaixo. O Tiago mostrou-me o seu processo, que conseguiu roubar do consultório durante a falha eléctrica.
- Como é que conseguiste isto? - perguntei, como se não soubesse.
- Entrei na minha cabeça. Não é fácil, porque é uma recursão. No momento em que fiquei consciente da minha auto-consciência, vi um ninho de espelhos dentro de espelhos com uma sanita luminosa ao centro.
- Que raio? Mas isso significa que tens uma auto-estima paradoxal agravada por processo narcísico recursivo? - perguntei eu para dar ares de quem percebe muito daquilo.
- Não, não... Não! Olha bem para o que o meu terapeuta fez quando eu lhe disse para não tomar nota...
- Uma árvore de Natal? Desenhou uma árvore de Natal?
- Não é uma árvore de Natal! É uma sanita!
«Ora bem», pensei eu: «O Tiago enlouqueceu de vez.» Examinei bem o desenho e era uma árvore de Natal com as raízes de fora.
- Tiago - sussurrei em tom de confidência.- Fazes ideia da razão pela qual o teu terapeuta desenhou uma sanita?
- Claro. Faltou a energia e ele precisava de luz.
- Das lâmpadas de Natal desta... árvore?
- Meu caro amigo! Vês coisas onde elas não existem!
- Então?
- A luz vem dos medicamentos anti-psicóticos que eu deitei pela sanita. Dizem que dão lucidez.
- Lucidez e luz não são o mesmo - comentei cepticamente.
- Ah! Mas têm a mesma raiz!
Então eu olhei para o desenho da árvore de Natal com raízes de fora. Apaguei as lâmpadas do desenho, encolhi os ombros e murmurei, para mim própria: «Até eu fazia melhor.»

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

cenoura com IVA



Na Rua da Tipografia Meireles há um restaurante japonês que promove workshops de origami e tem o seu abundante fornecimento de papel a partir dos restos da tipografia. Eu fui recentemente a este resturante e apareci, sem intenção, a meio de uma destas lições de origami. Havia apenas quatro pessoas no workshop: uma idosa russa com o cabelo iluminado por lâmpadas de Natal (ligado a uma tomada clandestina), um rapaz de uns treze anos com uma cábula de declinações de artigos gregos nos joelhos, um cavalo lusitano e o professor japonês, que naquele momento manifestava o seu ódio ou rivalidade contra o restaurante chinês do outro lado da rua. Pedi educadamente à senhora russa para desligar a iluminação do cabelo, pois eu corria o risco de ter um ataque de epilepsia. Dei uma cenoura com IVA ao cavalo lusitano e expliquei ao miúdo que os artigos gregos não devem ser pechinchados. Finalmente, o senhor japonês olhou para mim, ralhou-me com aquele modo repentino dos orientais e tentou ensinar-me a fazer um caracol em origami, mas eu deixei cair a concha ao chão e, nesse mesmo momento, ouvi berrar muito alto: «Uma lesma! Mais uma lesma!» «Desculpe,» disse eu, «estou a tentar fazer isto o mais depressa que posso…» Quando dei conta, era o chinês que saía da Tipografia Meireles a correr desalmadamente com dois grandes embrulhos nos braços. O japonês encolheu os ombros e explicou-me que o chinês, por rivalidade, queria esgotar os restos de papel da tipografia e cozinhava resmas de papel, que fazia passar por carne de frango, de modo a que não houvesse sobras de papel para o workshop de origami.