sábado, 15 de setembro de 2012

as ameixas e os ratos

Há uns tempos eu estava a usar a consola do Linux e, por preguiça, queria desligá-la sem usar o rato. Podia ter feito Alt+F4, mas decidi dar uma ordem à consola e digitar "exit", só que saiu-me "exist". Esse comando deve ter mudado a interpretação que o universo fez do facto "há um rato em cima da mesa, ao lado do teclado". Quando me apercebi de que estava um rato branco em cima da mesa, fiz-lhe festinhas e ele fugiu. Mas o problema do rato não se ficou por aí.
Na semana passada tomei uma ameixa por um rato. Tinha caído de uma árvore próxima e descia, aos saltos, uma pequena rua inclinada do Roçaio, na Serra da Lousã. Na mesma noite, tive a impressão de ver ameixas a adejar como morcegos sobre um arvoredo mal iluminado de Gondramaz. Aproximei-me do lugar, e uma das árvores era uma ameixeira que, por sinal, chiava tremendamente. Para apanhar um dos frutos, rebentei um ramo e, quando me dei conta do achado, tinha um rato arcaico (dos de bolinha, PS/2) na mão, daqueles que não são comestíveis como as ameixas são.
Nessa noite, acordei para ir beber água, e vi uma ameixa a esgravatar na parede ao lado da lareira. Peguei nela com cuidado e pu-la fora de casa. Ao regressar ao meu quarto, vi uma fila de ameixas a rolar rapidamente num canto da casa. Apareceram, entretanto, algumas portas de USB junto ao chão. Eu comecei a suspeitar que as ameixas e os ratos tinham algum tipo de afinidade transcendente.
Anteontem voltei a Lisboa, e vi novamente aquela velhinha a quem chamavam "a bruxa do Chiado". Dizia-se que é porque cozinhava ratos arcaicos que chiavam muito (dos de bolinha, PS/2). Mas a verdade é que a velhinha costumava andar naquela zona com um carro de compras que chiava desalmadamente. Desta vez vi cair uma ameixa verde do seu carrinho e abordei-a. "Minha senhora", comecei, "deixou cair isto". A velhinha virou-se para mim, com um ar altivo e ligeiramente ofendido e retorquiu: "Muito obrigada, mas acha mesmo que preciso de ameixas para fazer compota de rato?" Quando cheguei ao quarto do hotel, vi o meu portátil com um rato óptico a piscar ao lado direito. O mundo tinha voltado à normalidade. Ou quase: do lado de baixo do rato podia ler-se: "Plumjuice Corporation - Tested to comply with FCC Standards. For home or office use. Do not feed. Do not water. Made in China".

sábado, 8 de setembro de 2012

O Fotopteróide Radiobiónico

O Francisco Gonçalves revelou-me, há dois meses, o seu desejo de arranjar um animal de estimação. Eu sugeri um cão.
“Nem pensar!”, exclamou. “Um cão come e faz chichi.”
“Então tu queres um tamagotchi?
“Não. Os tamagotchis têm baixa resolução.”

Como não falámos mais sobre isso, eu presumi que ele tivesse desistido. Anteontem, recebi um email invulgar com um anexo, “fotopteroide.jpg”. Era o desenho do seu projecto prometeico, com legenda anatómica. No texto do email podia ler-se:

«Tenho vindo a trabalhar num projecto que me absorve intensamente. Decerto te lembras de eu ter dito que os tamagotchis têm baixa resolução. Para ser sincero, eu gostava de ter uma avestruz, mas esta ave é agressiva, além de ter de comer e fazer as necessidades. Ontem, eu percebi que os meus esforços haviam sido recompensados. O Fotopteróide Radiobiónico vive!»



Fui imediatamente a casa do Francisco, pois o conteúdo do email preocupava-me.

- Não tenho amigos, Margaret - começou por me dizer. - Quando eu irradio o entusiasmo do sucesso, não há ninguém com quem compartilhar a minha alegria.
- Não me chamo Margaret, Francisco.
- Na minha alma labora algo que eu não compreendo...

Receando que ele continuasse a citar o Frankeinstein, algo que não me surpreendia dada a sua boa memória, interrompi-o e perguntei-lhe se podia colocar gelo no whisky que ele me dera. Dirigi-me à cozinha.

- Desculpa, Francisco, mas em qual das arcas está o gelo?

Havia três arcas frigoríficas. Abri-as, uma a uma, e pude constatar que aquela colecção de entranhas era de uma avestruz, pois achei a cabeça no final. Fiquei preocupado e corri para a sala.

- Criei um monstro. Vem comigo. - disse ele. A sua oficina estava desarrumada e suja, mas não foi isso que me surpreendeu. Ali estava ele, o Fotopteróide, a dançar. Não pude deixar de comentar:
 - Por que raios é que puseste uma televisão vintage no lugar da cabeça da criatura?
 -  Ela tem gânglios cerebrais dentro das pseudovértebras, não te preocupes. O fotopteróide é alimentado por energia solar, dissipa 7% sob a forma de calor que emana sob as células voltaicas; o cooler é interior. Tem entrada alternativa para AC na cauda para actividade nocturna ou dias de nevoeiro. As vértebras são frontais e integram um sistema de transmissão de sinais nervosos conjugado com as antenas de rádio, que são a principal fonte de input sensorial, juntamente com o dispositivo de detecção óptica, um olho biónico cujo sinal é processado directamente na cápsula e transmitido à unidade de monitorização, que alterna entre o display de sinal rádio e o sinal óptico... e que cobre uma extensão do espectro electromagnético mais ampla do que o olho humano. Vai, por isso, desde os raios-x até às microondas. Só não detecta radiação gama que, infelizmente, é letal para este animal. Não come nem faz chichi, o que é uma vantagem considerável.

Aproximei-me da criatura, e ouvi subitamente um assobio de radar. O Francisco disse-me ao ouvido: “Ele não sabe, mas vou desligá-lo. Decidi que prefiro um tamagotchi.” Fui para a sala e comecei a ouvir, vinda de lá de dentro, uma música pouco consistente com os gostos eruditos do Francisco:

Daisy, Daisy, give me your answer, do...