domingo, 8 de janeiro de 2012

Eu a reparar naquelas coisas

Ao contrário de todos os outros, que repousavam silenciosamente no prato, aquele cogumelo emitia um zumbido metálico. Aquilo já me estava a irritar, e estive mesmo para tirá-lo da mesa. Mas mais ninguém parecia preocupado com o barulho. Mais ninguém parecia notar. Em circunstâncias como aquela, eu por vezes perguntava-me o que fazia as pessoas tão distraídas, e sentia-me muito só por apenas eu reparar naquelas coisas. Após um curto intervalo, no qual me servi dum bocado de salada, pareceu-me que era óbvia a origem do zumbido metálico: eu tinha guardado o cogumelo no frigorífico. Era natural que ele o imitasse, fazendo aquele barulho mais próprio dos electrodomésticos do que dos fungos. Então decidi desafiar o cogumelo. "Eu sei o que tu queres", disse-lhe. Ele zumbia como se não fosse nada. "Queres ser especial. Queres ser diferente". Com isto, o barulho parou. Olhei para os outros que olhavam para mim, e pensei: "Devo ser eu que estou a ouvir coisas." Continuei a comer e, momentos depois, vi uma luz estranha na mesa. Era o cogumelo que estava a cintilar. Já muito indignado, eu bati com a mão na mesa, levantei-me e disse: "Se isto continuar assim, ponho-te no lixo, e lá tu podes brilhar e zumbir à vontade." Eu estava possesso. "E mais: se queres estragar o jantar das pessoas, por que raio não o fazes discretamente, como a maior parte dos cogumelos? Os cogumelos normais envenenam, enquanto que tu, feito estrela de cinema, gostas de brilhar... não tens vergonha dessa pretensão ridícula, ó fungo miserável?" As pessoas olhavam para mim embasbacadas, e eu senti que tinha exagerado. Peguei no cogumelo com um guardanapo de papel e meti-o no lixo.
Na noite seguinte, sonhei que havia cogumelos à mesa e que deitei alguns fora porque estavam estragados.

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