domingo, 17 de junho de 2012

de quem mistura água na sopa

Uns metros à esquerda da entrada do Hospital da Boavista, há um portal que transporta os mais distraídos para o Maravilhoso Reino da Sopa. Quem registou o portal sofria de dislexia, porque a lenda conta que o portal devia conduzir para o Reino do Sapo e não da Sopa. O sapo fazia parte de uma provação: quem conseguisse alcançar e beijar um sapo que ia para cima de um semáforo suspenso, podia voltar à realidade. O problema é que o Reino do Sapo era exactamente igual à realidade, excepto pelo facto de ter um sapo. A visão sistemática do mesmo, em cima do semáforo da rua da Boavista, deu origem a uma condição conhecida por Síndrome de Ansiedade Anfibioscópica. Esta doença só existia mesmo no Reino do Sapo, cujo único portal funcional se encontra num lago do Jardim Botânico. O mais insidioso no Reino do Sapo é que, todo aquele que houver transposto o seu portal, pensará que apenas caiu num lago, até ao dia em que vê o sapo. O mesmo não acontece no Reino da Sopa, que foi provocado por um infeliz erro de registo tipográfico. O portal está num montinho de folhas acumulado pelo vento, que rodopia ao lado da entrada do Hospital da Boavista. Quem entrar ali, percebe que se passou para o Maravilhoso Reino da Sopa, ainda que não saiba que é este o seu nome. Para começar, as ruas têm o nome trocado, porque quem comete um erro, comete muitos, e na ementa dos restaurantes aparecem menus com uma particularidade bizarra:

MENU ESTUDANTE: Prato principal + Sapo + Bebida + Café = 5,5 euros

Seria um erro perdoável se estivesse apenas afixado num restaurante. E, claro, se não servissem, efectivamente, sapos galvanizados em sopas, com uma bateria e tudo. E parece que ninguém fazia caso disso. Outra pecularidade previsível do Maravilhoso Reino da Sopa é o cheiro pestilento a cantina que paira sobre a cidade. E as pessoas nesse reino parecem misteriosamente pálidas e deslavadas. Conta que a culpa é de quem mistura água na sopa. O céu, quando não tem nuvens, é esverdeado e por vezes podemos ver nele uma couve. A culpa disso, por sua vez, é de quem passa mal as sopas com a varinha. Ultimamente, a rua da Boavista do Maravilhoso Reino da Sopa transformou-se num pântano cheio de sapos. Não se percebe muito bem porquê, mas há quem especule que a culpa é de um coleccionador de folhas conhecido como Inácio Pedroso. Parece que andou a apanhar folhinhas do montículo do portal da Boavista e que, quando foi ao Botânico apanhar outras tantas, caiu com todas elas no lago e cruzou os reinos, provocando o caos. Apareceu no telejornal o caso dos sapos galvanizados e empreenderam-se esforços para drenar a rua da Boavista. Tudo parece ter voltado à normalidade. Porém, fica por explicar por que razão, no outro dia, eu vi alguém a trepar a um semáforo sem sapo. Olhei bem, e vi um espinafre no céu.

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