quinta-feira, 1 de março de 2012

moscas e impressoras

Quase toda a gente sabe que algumas impressoras são dignas de serem consideradas a espécie mais caprichosa e irritante de entre os aparelhos informáticos. Luzinhas que piscam, arranques e soluços, barulho frenético de rolamentos, chiados hesitantes e páginas vomitadas com hieróglifos, e um único botão (em alguns casos) para controlar todas as funções.
Ora, eu tenho uma destas máquinas lógicas que decidiu imprimir moscas para levar mais longe o desafio de me irritar. Troquei recentemente um toner e imprimi uma página de teste. Além de estar monocromática, saiu com uma frase enigmática no canto superior esquerdo:

SPL-C ERRORNon, laissez-la parler!
Laissez-la parler.
C'est Agamemnon qui l'inspireINCOMPLETE SESSION BY TIME OUT


Eu deixei o que estava a fazer e aproximei-me da máquina. Parecia tudo normal, se a palavra “normal” se pode aplicar às impressoras. De repente, ela recomeçou a imprimir, muito lentamente e eu presumi que estava a sair algo a cores. Já não era mau. Quando voltei a página, constatei com algum nojo que estava cheia de moscas a cores e com alta definição. Era óbvio que a máquina estava no gozo. Ela sabe que há duas coisas que me irritam: moscas e impressoras. Eis a combinação perfeita. Desliguei a máquina no interruptor, voltei a ligá-la e ela deu um ronco. Eu tinha um documento sobre Sartre para imprimir e, antes de o mandar para imprimir ouvi um barulho anacrónico. Era o barulho das impressoras de agulhas. Não há dúvida que a impressora estava a fazer uma regressão birrenta. Imprimiu, com pontinhos, a seguinte mensagem:

INTERNAL ERRORChère Eléctre!PLEASE USE THE PROPER DRIVER

Eu decidi cancelar a impressão mas despejou ainda algumas páginas em branco e, no rodapé da última, aparecia escrito, ainda ao estilo das impressoras matriciais:

Pourquoi refuses-tu mon aide?PAGE 4

Eu achava que já tinha visto tudo, quando tive a impressão de ver sair da impressora uma mosca. Por momentos pensei que, se visse de perto, constataria que era uma mosca francesa. “Que disparate!”, pensei logo a seguir: “As moscas não têm nacionalidade. E não saem moscas de dentro de impressoras.” Nesse preciso momento, vejo no canto inferior direito do ecrã uma mensagem a dizer:

One of the USB devices attached to this computer has malfunctioned, and the system does not recognize it. For assistance in solving this problem, click this message.

Eu cliquei, e apareceu a mensagem:

Que nous importent les mouches?Click finish to close the wizard.

A impressora estava a transmitir ao computador as suas manias. Aquele disparate tinha de acabar, por isso decidi desligar o computador e sair de casa para tomar um café que me fizesse esquecer que tinha uma impressora neurótica. Quando cheguei a casa tive de atravessar uma nuvem de moscas para chegar ao computador e, no chão, encontrei uma página cuidadosamente impressa num tipo de letra serifado em tamanho grande:

Et l'angoisse qui te dévore, crois-tu qu'elle cessera jamais de me ronger? Mais que m'importe: je suis libre.

A impressora nunca mais voltou a trabalhar.

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